quarta-feira, 4 de março de 2015

SOCIOLOGIA

TEMA  3 :    AS FORMAS DE RESISTÊNCIA INDÍGENA E AFRICANA NA AMÉRICA  COLONIAL




 I)  CONFLITOS  ENTRE  ÍNDIOS  E  EUROPEUS

-   CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS  (1555-1567) 
  
Ocorreu no litoral fluminense e envolveu pelo menos quatro cinco nações indígenas( Tupinambás, Aimorés, Goitacazes,Tupiniquins e Temiminós) e colonizadores portugueses e franceses.
       Teve origem com a resistência dos Tupinambás às tentativas de escravização empreendidas pelos colonos portugueses da  Capitania de São Vicente, então governada por Brás Cubas.
        Os Tupinambás, liderados pelo cacique  Aimberê , conseguiram apoio de outras nações indígenas (Aimorés e Goitacazes) e declararam guerra aos portugueses, revolta  que ficou conhecida como “Confederação dos Tamoios”.
        A expressão  “tamoio”  corresponde à ideia de “antigo”, “ancestral”.
         O fato coincide com a invasão francesa à Baia de Guanabara .   Villegaignon , comandante  francês, oferece  armas aos tamoios com o intuito de combater os portugueses e poder assim fundar na região uma colônia com o nome de França Antártica.
          Os portugueses estabeleceram alianças com outras nações inimigas dos Tupinambás ( Tupiniquins e Temiminós ) e, liderados por Estácio de Sá ( sobrinho do então Governador Geral Mem de Sá), expulsaram os franceses e massacraram os tamoios.

-     MASSACRE    DE   TRACUNHAÉM  ( 1574)

       Ocorreu na Capitania de Itamaracá . Os índios Potiguaras, habitantes do atual litoral da Paraíba, reagiram ao rapto de uma jovem índia por um  colono do Engenho do português Diogo Dias, localizado no Vale do Rio Tracunhaém , próximo ao  município de Goiana (PE).
          Insuflados pelos franceses, seus aliados pela prática do escambo de pau-brasil no litoral de Itamaracá , os potiguaras  massacraram mais de 600 pessoas que viviam no engenho e regiões vizinhas, incluindo proprietários, colonos e escravos.
           Com o objetivo de evitar novos ataques a engenhos, expulsar os franceses e expandir a cana de açúcar  para o norte, a Coroa Portuguesa desmembrou a Capitania de Itamaracá e criou a Capitania Real da Paraíba.
            A resistência dos potiguaras à  ocupação da Paraíba durou uma década e desafiou, pelo menos, cinco expedições portuguesas.  Em 1585, Martim Leitão, graças à aliança com os Tabajaras, rivais dos Potiguaras, conseguiu derrotá-los.  Foi, então, fundada a Cidade de Nossa Senhora das Neves ( logo batizada como Filipeia de Nossa Senhora das Neves) e que hoje chama-se João Pessoa, capital do Estado da Paraíba.

 -         A  “ SANTIDADE  INDÍGENA  “   ( 1580 )    

               Ocorreu na região de Jaguaripe , sul do recôncavo, na Capital da Bahia.  Considera-se  como rebelião armada  e seita religiosa contra o colonialismo português, contra a escravidão e contra a catequese jesuítica e foi, sem dúvida, o principal momento da resistência indígena  do Brasil no século XVI.
                 Foi  liderada por um índio chamado Antônio, nome de batismo dado pelos jesuítas no tempo em que ele  viveu num aldeamento de Ilhéus, onde aprendeu rudimentos da fé católica, antes de fugir dali.
              Dizendo-se a encarnação viva de “Tamandaré”, o primeiro  ancestral dos Tupinambás, Antonio exortava seus seguidores a atacar os colonos, saquear e destruir engenhos,acenando que o triunfo total estava próximo e com ele viria  um novo tempo de prosperidade e abundância. Os índios não precisariam mais trabalhar porque as flechas caçariam sozinhas no mato e os frutos brotariam da terra sem que ninguém os plantasse. As índias velhas voltariam a ser  jovens e os homens se tornariam imortais. Todos os portugueses seriam mortos ou tornar-se-iam escravos dos mesmos índios que então os  escravizavam. O triunfo da Santidade equivalia, assim, ao descobrimento da Terra sem Males, o paraíso Tupi de que falam os etnólogos, cuja busca teria outrora conduzido este grupo para o litoral atlântico da América do Sul.
               Por outro lado, diversos ritos praticados na Santidade eram os que os jesuítas descreviam como heréticos desde meados do século XVI. É o caso dos bailes em que os índios se comunicavam com os mortos, danças  chamadas de " bailes dos espíritos". É o caso da utilização de cabaças mágicas, chamadas por eles de maracás, objetos que tinham o poder de abrigar os parentes mortos e fazê-los falar, sempre adornados com plumas e personificados com narizes, bocas, olhos, cabelos. O ídolo da Santidade era de pedra, mas possuía os mesmos caracteres dos tradicionais maracás, chamando-se Tupanasu, o que quer dizer, Deus Grande. É também o caso do uso de ervas nativas até o limite da embriaguez ou transe místico, rito essencial para a comunicação com os  ancestrais .
               A “ Santidade”  acabaria, contraditoriamente,  assimilando traços do catolicismo e do colonialismo por ela combatidos. O chefe do movimento, ao mesmo tempo em que dizia ser o herói Tamandaré, dizia ser também o verdadeiro Papa, e nomeava bispos e santos entre os principais pregadores. São Paulo, São Luiz, eis alguns maiores do clero indígena da Santidade. Sua mulher, ou a principal delas, índia  , tinha por título Santa Maria Mãe de Deus.
               A Santidade permite perceber um fenômeno crucial do colonialismo ibero-americano: a incerteza e fluidez das fronteiras culturais, a mescla de tempos e espaços das culturas e conflitos.  A ambiguidade dos papéis jogados pelos atores na cena colonial: os índios tecendo sua resistência sem excluir a cultura dos dominantes e, no extremo, assumindo a própria escravidão como integrante do seu paraíso iminente, ainda que escravidão dos brancos; os colonizadores, por sua vez, pondo-se de joelhos, como fez o fidalgo Fernão Cabral, diante de ídolos indígenas que pretendiam destruir.


 TEXTO  COMPLEMENTAR

Santos e rebeldes

Violentamente reprimidas, as “Santidades”, rebeliões indígenas ocorridas na Bahia do século XVI, se apoiavam na crença de um paraíso tupi.


Ronaldo Vainfas  ( Artigo publicado na Revista de História,21/9/2007.)


Bahia, 1585. O capitão Bernaldim da Grã, à frente de pequena tropa, invadiu a fazenda do principal senhor de Jaguaripe, Fernão Cabral, que não lhe opôs resistência. Sabia ele o que Bernaldim pretendia fazer e ainda lhe indicou o lugar que procurava, distante meia légua ou três quilômetros da casa-grande. Ali ficava uma grande maloca, onde cabiam centenas de pessoas, chefiadas por uma índia conhecida por Santa Maria Mãe de Deus e auxiliada por índios, também chamados por nomes de santos – um deles, Santíssimo. Faziam orações cristãs, rezavam por rosários, confessavam suas culpas numa cadeira grande de pau e houve quem visse ali umas tabuinhas com riscos, que pareciam ser os breviários da seita. À porta da maloca, havia uma cruz de madeira fincada, indicando com nitidez a identidade católica do grupo. Catolicismo à moda tupi, é claro, que não excluía ritos e crenças tupis no dia-a-dia do culto. Bailavam à moda indígena da mesma maneira como Jean de Léry, quase 20 anos antes, descrevera o baile tupinambá na Guanabara, abrindo uma fresta indiscreta na maloca principal da aldeia. Dançavam unidos, embora de mãos soltas e fixos no lugar, formando roda e se curvando para a frente. Moviam somente a perna e o pé direito, cada qual com a mão direita na cintura e o braço esquerdo pendente. Fumavam desbragadamente tabaco – petim, na língua nativa – que os portugueses chamaram de erva-santa. Por meio do fumo, os índios se comunicavam com seus mortos, falavam com os ancestrais, recordavam seus heróis, como Tamandaré, que, segundo o mito, se refugiara no topo da palmeira mais alta da terra para escapar de um dilúvio lendário. Os índios de Jaguaripe fumavam e bailavam em torno de um ídolo de pedra, com jeito de figura humana, nariz, olhos, cabelos, e ainda vestido com uns trapos que o senhor do lugar, Fernão Cabral, lhe havia ofertado, para agradar aos índios. Media um côvado de altura – 66 centímetros – e tinha nome pomposo: Tupanasu, deus grande.
Bernaldim da Grã invadiu a fazenda para destruir aquela “abusão”, como diziam, a mando do governador Teles Barreto. Mas, a bem da verdade, fora enviado menos por causa das festas gentílicas do que pelas rebeliões que se alastravam pelo Recôncavo havia pelo menos seis meses, estimuladas pelo que acontecia na fazenda de Jaguaripe. Emissários da seita percorriam engenhos e lavouras, incitando os índios escravizados a fugir. Faziam o mesmo nos aldeamentos da Companhia de Jesus. Chegaram a incendiar um engenho e destruíram a Igreja de Santo Antônio. Escravistas de toda a capitania protestavam junto ao Governador. Os jesuítas, desesperados, exigiam providências. Os moradores, em geral, viviam apavorados. A Bahia vivia atormentada por esta que foi, sem dúvida, a maior rebelião indígena do século XVI.




- CONFEDERAÇÃO  DOS  CARIRIS   (“ GUERRA  DOS  BÁRBAROS” ) 

  Como  movimento  de resistência , algumas tribos indígenas da região Nordeste , formaram a Confederação dos Cariris, em 1683, na tentativa de recuperar os vastos hectares de terra que os fazendeiros portugueses tomaram dos índios com o intuito de expandir o gado sertão adentro.
  Os cariris eram tribos mestiças, divididas da seguinte maneira a partir de suas localizações geográficas:
  • Inhamuns: viviam na região sertaneja de Inhamum;
  • Cariris: viviam no sul do Ceará;
  • Cariús: viviam entre os rios Cariús e Bastões, próximo à Serra do Pereiro;
  • Crateús: viviam nas proximidades da bacia superior do Rio Poti.
    Primeiro, eles ocuparam a província do Rio Grande do Norte, expulsando violentamente fazendeiros portugueses de lotes fundiários que antes eram territórios indígenas. Em seguida, migram para a cidade paraibana de Bom Sucesso de Piancó, onde permanecem por muito tempo em conflito com a população local e, por último, ocupam o Vale do Jaguaribe, no Ceará.
    Com medo de que a revolta se alastrasse, o governador-geral do Brasil Manuel da Ressurreição pediu ajuda aos bandeirantes de São Paulo e São Vicente para tentar  derrotá-los.  Entretanto, a iniciativa só piorou o conflito. Os cariris começaram a ocupar outros territórios cearenses e receberam apoio de outras tribos que, posteriormente, se mostraram mais belicosas que eles. Aderiram à confederação as tribos dos Anacés, Jaguaribaras, Acriús, Canindés, Jenipapos, Tremembés e Baiacus.
    O conflito no Ceará mostrou-se o mais sangrento de todos. Cerca de 200 pessoas morreram na vila do Aquiraz e a população local, amedrontada, seguiu rumo aos canhões da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.
     Irritados com o êxito dos indígenas, em 1713 o coronel João de Barros Braga e seu regimento de ordenanças realizaram uma expedição para subir o Vale do Jaguaribe, passando pelo território do Piauí. Ele mandou exterminar todos os povos indígenas que surgissem pela frente, sem distinção de sexo ou idade, pois queria certificar-se de sua vitória. Só depois de muito sangue derramado o governo-geral conseguiu exterminar a Confederação dos Cariris, escrevendo mais uma página sangrenta da história do Brasil colonial.



 -   GUERRAS  GUARANÍTICAS   ( 1760) 

      No final do século XVII, os jesuítas haviam fundado vários núcleos no noroeste do atual Rio Grande do Sul, para catequese indígena, que ficaram conhecidos como Sete Povos das Missões ( São Miguel,São Lourenço, São João, Santo Ângelo, São Luís, São Nicolau e São Borja). Era uma área rica, com grande produção pecuarista e de erva-mate. A imensa quantidade de indígenas sob o controle dos religiosos, assim como o poder, a riqueza e a independência jesuítica logo provocaram a cobiça dos latifundiários, bandeirantes, autoridades coloniais e mesmo outras ordens religiosas da Igreja Católica.
         Em 1750, de acordo com o Tratado de Madri, estabelecido entre as coroas espanhola e portuguesa, aquelas missões deveriam sair dali e ser  transferidas para a margem esquerda do Rio Uruguai. Os jesuítas e os índios guaranis não concordaram com isso, pois teriam que abandonar um trabalho de gerações. Os nativos e os religiosos consideravam aquelas terras suas , não de portugueses ou de espanhóis.
           Decidiram não sair e resistir, principiando assim as guerras guaraníticas. As coroas portuguesa e espanhola enviaram tropas para a região e milhares de índios acabaram mortos, enquanto outros eram vendidos como escravos, sendo a guerra encerrada em torno de 1756. Os jesuítas, acusados de terem insuflado os índios à guerra, acabaram expulsos do Brasil em 1759. O Tratado de Madri também acabou perdendo a validade. Pelo Tratado de Badajós, de 1801, Sete Povos das Missões acabou ficando com Portugal/Brasil.  



Sepé  Tiaraju, líder indígena de Sete Povos das Missões,articulou uma espécie de Confederação Guaranítica, criando inovadoras táticas militares para a época, nas quais priorizava a guerrilha e evitava grandes batalhas. Chegou a idealizar e construir quatro peças de artilharia, confeccionadas com cana brava. Foi assassinado numa emboscada, por soldados espanhóis e portugueses, nos campos de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, em 7 de fevereiro de 1756.




( Sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo,RS,patrimônio histórico da humanidade.)


TEXTO  COMPLEMENTAR


Túpac Amaru, o último filho do sol.

 


O mundo amanheceu ao contrário naquele dia em Tinta, um pequeno povoado no sul do vice-reino do Peru. Acostumada a ser explorada e maltratada pelas tropas do mandachuva local, o espanhol Antonio Arriaga, a população mal conseguia acreditar que era ele quem dava seus últimos suspiros, pendurado pelo pescoço na ponta de uma corda, em plena praça central do vilarejo. Ao seu lado, comandando a execução, estava José Gabriel Túpac Amaru. Vestido para a guerra, com o tradicional ornamento inca em forma de um sol dourado no peito, convocava aos berros índios, mestiços e negros para lutar contra a dominação espanhola. Naquele 4 de novembro de 1780, com o corpo de Arriaga balançando atrás de si, Túpac Amaru, descendente da linhagem imperial dos incas, declarou que não existiam mais impostos e que os escravos estavam livres. “Foi o início de uma rebelião que se espalharia pelos Andes e chegaria até os altiplanos bolivianos”, diz Julio Vera del Carpio, historiador da Casa da Cultura Peruana, em São Paulo. Quase 300 anos depois de os espanhóis desembarcarem na América, o filho do sol estava de volta.
Os espanhóis desembarcaram na América em 1492 ávidos por encontrar riquezas que financiassem seus navios, suas armas e sua nobreza. Quando chegaram ao Peru, em 1527, e descobriram as minas de prata da região, não perderam tempo. Reuniram um exército sob o comando de Francisco Pizarro e trataram de eliminar todo aquele que pudesse afastá-los de seu objetivo. Por “todo aquele” entenda-se os incas, que habitavam desde as cordilheiras no Peru até os altiplanos bolivianos. Em 1532, os espanhóis iniciaram uma conquista rápida e implacável. Com a vantagem das armas de fogo e do duro aço espanhol, submeteram os guerreiros indígenas e suas lanças de cobre. Pizarro conquistou Cusco, a capital inca, e capturou e executou Atahualpa, seu imperador. Em seguida nomeou um novo ocupante para o trono: Manco Inca Yupanqui. Pouco tempo depois, no entanto, Manco Inca percebeu que estava sendo usado pelos espanhóis e fugiu de Cusco, iniciando uma revolta. A aventura durou pouco: os espanhóis mataram Manco Inca e seus sucessores. O último foco de resistência foi derrotado em 1572, com o enforcamento do derradeiro imperador inca, o primeiro Túpac Amaru (foram vários “Túpacs”). Foi o ponto final na civilização inca na América do Sul, “que ocupou um território maior que o do Império Romano”, diz Antonio Núnez Jiménez, no livro Nuestra América. A partir desse momento, seus mais de 3 milhões de habitantes tinham um novo senhor.
A primeira coisa que os novos donos do pedaço fizeram foi estabelecer a “mita” – o trabalho forçado nas minas de prata e mercúrio. “Os índios eram convocados pelos espanhóis, arrastados a pé através dos vales montanhosos e muitos morriam exauridos no caminho”, diz Carpio. “Quando chegavam, tinham um breve descanso e, um ou dois dias depois, entravam nos estreitos buracos na terra em busca dos metais. Poucos sobreviviam por muito tempo às longas jornadas de trabalho, que chegavam a uma semana inteira dentro das minas, sem direito a alimentos ou descanso.” A Igreja teve papel especial nessa história. Extremamente religiosos, os incas foram levados a crer que o rei da Espanha substituíra seu imperador no lugar reservado ao representante divino na Terra. Servir ao rei era como trabalhar para o próprio Deus-sol e ao morrer nas minas de prata estavam salvando suas almas do inferno.
Segundo Carpio, nas províncias os corregedores (espécie de prefeitos) tinham toda a liberdade para matar quantos índios fossem necessários para que a extração de prata continuasse a todo vapor. No entanto, em 200 anos de dominação, os espanhóis não eliminaram completamente as lideranças indígenas. Pelo contrário, parte do controle sobre a população era feita com o consentimento e apoio desses líderes – chamados de curacas, descendentes da nobreza inca. Convertidos ao catolicismo, muitos, inclusive, recrutavam membros das tribos para o trabalho forçado nas minas.
Descendente do primeiro Túpac, José Gabriel Túpac Amaru era um dos líderes que discordavam dessa prática. Curaca de Pampamarca, Tungasuca e Surimana, morava na província de Tinta, a 100 quilômetros de Cusco. Túpac herdou de sua família 70 pares de mulas, com as quais transportava mercadorias através dos Andes. No meio daquela região montanhosa, ter um par de mulas era como ter um caminhão. Túpac era próspero, respeitado e bem relacionado. Insatisfeito com o que via na região, defendia junto às autoridades espanholas uma reforma no sistema colonial. Aos tribunais de Lima encaminhara um pedido oficial em que pediu a eliminação do cargo do corregedor, substituindo-o por prefeitos eleitos nas províncias e povoados, e o fim da mita. Nada conseguiu. Aos poucos, passou a espalhar a idéia de rebelião. Em uma carta aberta à população, dizia que os corregedores faziam do sangue dos peruanos “sustento para sua vaidade”. Conseguiu a simpatia e apoio de alguns curacas, que se dispuseram a lutar.
Tinta foi apenas o primeiro alvo da revolta. Após matar Arriaga, Túpac e seus homens percorreram povoados e vilas da região, prendendo e enforcando as autoridades espanholas que encontravam. Ficavam com seu dinheiro e armas e distribuíam seus bens entre a população. Túpac nomeou chefes locais e conseguiu que milhares de pessoas aderissem à sua tropa. Aterrorizado com a rapidez com que a revolta se espalhava, o bispo de Cusco, Juan Manuel de Moscoso y Peralta, enviou 1 500 soldados para eliminar o rebelde. Em 18 de novembro, no povoado de Sangarara, entre Cusco e Tinta, Túpac enfrentou o exército do rei com 6 mil homens sob seu comando. Em menos de um dia o inca cercou os soldados do bispo. Depois de intensos combates, o último grupo de espanhóis se refugiou na igreja do povoado, esperando que o indígena poupasse o local sagrado. Túpac não quis saber: invadiu a igreja e matou todos. Em represália, Moscoso y Peralta excomungou Túpac Amaru e seus seguidores. Essa era a maior desonra que alguém poderia sofrer na época. Tanto para católicos quanto para indígenas, a excomunhão significava que a pessoa estava distante de Deus. O efeito da punição logo se fez sentir. “Por conta disso, numerosos adeptos da causa tupamarista abandonaram suas fileiras ou deixaram de nelas ingressar”, afirma Kátia Baggio, historiadora da Universidade Federal de Minas Gerais.
Túpac se preparou para invadir Cusco. A estratégia era tomar Puno, que ficava entre Cusco e Potosí, para depois avançar sobre a capital. No entanto, após os eventos em Sangarara, o vice-rei do Peru, Agustín de Jáuregui, resolveu pedir auxílio à Espanha. Se as tropas do rei Carlos III chegassem ao Peru, a rebelião não teria chance, por isso o inca adiantou seus planos. Cusco era uma verdadeira fortaleza. Cercada de grandes muralhas de pedra, a antiga capital do império inca tinha uma rígida planificação urbana em forma quadriculada, cujo desenho lembrava a forma de um puma. As tropas da cidade partiram em direção aos rebeldes, para conter sua chegada, enquanto mais soldados preparavam a defesa. Muitos curacas católicos, junto com suas tribos, se mostraram fiéis à Igreja e ao rei da Espanha, e ajudaram os europeus a montar uma estratégia para conter os rebeldes. O clima de agitação e expectativa diante da iminente invasão levou a cidade ao caos.
Em 28 de dezembro de 1780, Túpac chegou ao limite norte de Cusco, uma região chamada Cerro Picchu. Seguiam com ele mais de 40 mil homens, embora poucos estivessem armados e preparados para a luta. Seus planos contavam com um ataque vindo do nordeste, por Diego Cristóbal, irmão de Túpac, e com a adesão da população indígena local. Em 2 de janeiro de 1781 os combates começaram. Por dias as tropas do vice-rei, cerca de 12 mil homens, conseguiram manter os invasores afastados da cidade, tempo suficiente para receberem um reforço de 8 mil homens, seis canhões e 3 mil fuzis vindos de Lima. Os rebeldes, ao contrário, viram seus planos falharem. Diego Cristóbal não conseguiu ultrapassar as defesas espanholas do rio Urubamba e recuou. O policiamento ostensivo nas ruas de Cusco reprimiu qualquer tentativa local de sublevação. Em 8 de janeiro, Túpac fez uma tentativa desesperada e atacou a cidade com força total. A violenta batalha durou cerca de sete horas, mas as defesas se mantiveram praticamente intactas e os realistas tiveram poucas baixas.
Túpac desistiu do cerco e se aquartelou em Tinta. Em março, com o reforço de 17 mil soldados espanhóis, as tropas do vice-rei resolveram sufocar de vez a rebelião. Em 5 de abril, os espanhóis infligiram uma gigantesca derrota às tropas tupamaristas. Depois de um dia de combates, ofereceram perdão àqueles que abandonassem Túpac e se unissem a eles. No dia seguinte, cercaram o exército rebelde e conseguiram outra grande vitória, graças a informações entregues por traidores do exército inca. Os rebeldes se dispersaram e fugiram da cidade, mas Túpac e seus colaboradores mais próximos foram presos em um emboscada preparada por seus próprios partidários. Apenas uma pequena parte do exército rebelde conseguiu se refugiar nas montanhas. Na mesma semana, para comemorar sua vitória, os espanhóis enforcaram 70 curacas rebeldes na mesma praça onde o corregedor Arriaga perecera.
Túpac e sua família foram levados a Cusco, onde foram torturados para que dessem informações sobre os demais líderes rebeldes, como Diego Cristóbal, que conseguira fugir. “Diz a tradição que, sem ter como se comunicar com seus companheiros, Túpac escreveu uma carta com seu próprio sangue, em um pedaço de suas vestes, convocando todos para a luta, mas a mensagem acabou interceptada pelos espanhóis”, diz o antropólogo Rodrigo Montoya, da Universidade San Marcos, em Lima. Após 35 dias de torturas, em 18 de maio de 1871 Tupac foi levado para receber sua sentença em praça pública, no centro de Cusco: esquartejamento. Antes que a pena fosse aplicada, no entanto, Túpac assistiu ao enforcamento de seus homens rebeldes. Depois, dois filhos seus, Hipólito e Fernando, junto com Micaela, sua mulher, tiveram suas línguas cortadas, antes de serem executados. Enfim chegou sua vez. “Seus braços e pernas foram atados a quatro cavalos, que foram incitados a correrem cada um para uma direção”, diz Carpio. “Depois do insucesso de várias tentativas, os espanhóis desistiram do esquartejamento e cortaram a cabeça do inca.”
A rebelião no Alto Peru, no entanto, não acabou aí. Prosseguiu em duas frentes. Sob a liderança de Túpac Catari, cujo verdadeiro nome era Julián Apasa, e que adotou o apelido em alusão a Túpac Amaru e Tomás Catari, outro líder revolucionário morto pelos espanhóis na Bolívia, a revolta chegou a La Paz. Catari cercou a cidade em março de 1781, com mais de 10 mil homens, e fez um violento ataque em que mais de 10 mil morreram – sendo 8 mil indígenas. Após 109 dias de sítio as tropas realistas furaram o cerco. Catari voltou a atacar em agosto, mas foi derrotado e preso. Em 31 de novembro de 1781 foi executado.
A segunda onda de resistência se deu na região montanhosa em torno de Cusco, onde Diego Cristóbal continuou comandando o então reduzido exército de Túpac. Em maio de 1781, ele chegou a sitiar Puno, mas não a invadiu. Focos de conflito continuaram até 1782, quando Diego Cristóbal assinou um tratado de paz com os espanhóis. Apesar disso, depois de uma ameaça de levante em 1783, Diego e 120 supostos envolvidos acabaram executados.
Nos anos que se seguiram, os colonizadores exerceram uma forte repressão à cultura incaica e qualquer ornamento da nobreza inca foi proibido. “Falar o nome de Túpac Amaru em público virou um insulto aos espanhóis, um ato de rebeldia. A perseguição, no entanto, só aumentou o mito que se criou em torno dele e fez com que seus lendários feitos influenciassem gerações de revolucionários americanos, de Bolívar a Che Guevara”, diz Montoya. O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), em um verso de 1970, recordou Túpac “Como um sol vencido/ uma luz desaparecida.../ Túpac germina na terra americana”.

( Publicado em “Aventuras na História”, 1/11/2004.)










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