TEMA 2: A ESCRAVIDÃO E FORMAS DE RESISTÊNCIA INDÍGENA E AFRICANA NA AMÉRICA
A escravidão existiu entre os povos da antiguidade. As
sociedades grega e romana, por exemplo, eram sociedades predominantemente escravistas.
Seja como fruto de sucessivas guerras, expansão militar ou mesmo como
pagamento de dívidas, o trabalho escravo foi largamente difundido no mundo clássico.
Na África,
anterior ao tráfico negreiro, havia a prática
da escravidão como decorrente dos conflitos intertribais. De modo geral,
era o que se chamava escravidão doméstica ou patriarcal, que apresentava
características distintas da escravidão comercial feita posteriormente pelos
árabes e europeus – embora fosse também opressora ( nas sociedades africanas
pré-coloniais também existia desigualdade e exploração).
Nos confrontos
entre africanos, era comum que os vitoriosos fizessem alguns escravos entre os
derrotados, ou seja, na escravidão doméstica havia o aprisionamento de alguém
para utilizar sua força de trabalho, em
geral, na agricultura de pequena escala, familiar, ou ainda na produção
artesanal ou serviços domésticos. Perceba que a economia da comunidade ou
Estado não se baseava na escravidão. Se a terra era abundante, mas rareava mão
de obra, esse tipo de escravidão servia para aumentar o número de indivíduos a
serem empregados no sustento de uma família ou grupo. Os escravos eram poucos
por unidade familiar, mas a posse deles assegurava poder e prestígio para seus
senhores, já que representavam a capacidade de autossustentação da linhagem.
Não por acaso, nesse tipo de cativeiro havia preferência por mulheres e
crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo. Daí porque
era legítimo as escravas se tornarem concubinas (amantes) e terem filhos com os seus senhores.
O escravo poderia
apresentar mesmo algum tipo de direito, por menor que fosse ( por exemplo, não
podia ser vendido ou executado,poderia ter alguns bens, era castigado apenas de
forma moderada,poderia casar-se com alguém livre etc.) Havia inclusive,entre
alguns povos,a possibilidade de o escravo ser liberto, incorporando-se à
comunidade e à família do senhor.
No Brasil, a
escravidão é uma das exigências da política mercantilista metropolitana e surge
com a implementação da “plantation”
açucareira. Inicialmente, o índio foi o
elemento escravizado. O decreto das “guerras
justas” (1575) abria espaço para a escravidão indígena ao definir que os
nativos” hostis “ e aprisionados em conflitos poderiam ser convertidos em escravos.
Uma conjugação de
fatores, entretanto, tornou a escravidão indígena menos adequada aos interesses
e demandas da economia colonial. Os índios conheciam bem o território e fugiam
com mais facilidade; rebelavam-se diante de um trabalho a que não estavam
acostumados e quase nenhum controle (diga-se lucros adicionais) a metrópole
teria estimulando a sua escravização.
Por fim, o interesse da Igreja em catequizá-los ( em função do
expansionismo missionarista determinado pela contrarreforma) pode também ser
apontado.
Embora tenham coexistido até o século XVIII, a tendência foi
a substituição do índio pelo negro africano. Portugal já tinha conhecimento das
“praças” fornecedoras de escravos ao longo do litoral africano onde os
lusitanos estabeleceram várias feitorias e deram início à lavoura açucareira na
Ilha dos Açores. Os comerciantes
portugueses trocavam tecidos ,bebidas,fumo
e armas por prisioneiros de guerra nas regiões
da África Ocidental, proximidades do Golfo da Guiné, áreas que hoje
correspondem a países como Nigéria,Gana,Togo,Benin,Costa
do Marfim,Congo,Angola,entre outros. De
maneira geral, podem ser divididos em
dois grandes troncos etnoculturais: Sudaneses e Bantos.
Portanto, a escravidão
negra adequou-se mais às exigências do sistema colonial. Os africanos, ao
contrário dos indígenas, eram “desenraizados” de sua terra; conheciam a
escravidão em seu próprio continente e, claro, proporcionavam um dos negócios
mais rentáveis da América Colonial: o tráfico.
Não
sabemos exatamente o número de escravos trazidos ao Brasil entre os séculos XVI
e XIX. Estimativas indicam que cerca de 3,5 milhões de negros africanos
desembarcaram no Brasil, sobretudo, no Nordeste (Pernambuco ,Bahia e Maranhão). Com a decadência do açúcar, novos
escravos e outros deslocados do
Nordeste passaram a ser utilizados na região das Minas Gerais, Rio de Janeiro e
Planalto Central Brasileiro. A
dificuldade de se estabelecer um número exato de escravos desembarcados decorre
principalmente de dois fatores: o “contrabando” e porque muitos documentos
sobre a escravidão foram intencionalmente queimados logo após a proclamação da
República, no esforço de apagar nosso passado escravista e evitar indenizações.
Sob o ponto de
vista ideológico a escravidão foi apoiada na visão eurocêntrica e, claro, preconceituosa,
de que as regiões fora da Europa desconheciam a civilização e, em especial, os
indígenas eram povos “indolentes” e pouco afeitos ao trabalho e os africanos,
“desprovidos de alma”. Obviamente, a
economia indígena nada tinha a ver com os preceitos mercantilistas europeus.
No Brasil, os escravos foram utilizados em diversas atividades:
agricultura, mineração, atividades urbanas (“escravos de ganho”), serviços
domésticos, amas de leite e até “transporte de dejetos”. Todo dia de manhã, eles eram esvaziados em
barris de madeira que ficavam embaixo das escadas ou em um canto mais recolhido
da casa. Quando o tonel já estava quase transbordando, recorria-se ao
“préstimo” do escravo! Era sobre as cabeças deles que o peso das barricas era
conduzido para ser despejado na “beira” das marés. Em seguida, os carregadores
retornavam com os recipientes vazios para receber nova carga.
Esses barris eram chamados de
“tigres” e os seus condutores, de “tigreiros”. Talvez o nome fosse uma alusão à
coragem dos carregadores ou, quem sabe, à imagem desagradável das barricas que,
ao transbordar, espalhavam fezes nos corpos dos escravos e dos negros de ganho,
numa combinação que lembrava a pelagem dos tigres. Existem versões que afirmam
que o apelido foi dado porque, ao avistar os negros levando barris de dejetos,
os transeuntes, com medo de ficarem sujos, afastavam-se rapidamente, como se
fugissem de um animal selvagem.
A escravidão feita pelos europeus teve
dramáticas consequências para o continente africano. Imensas regiões foram
despovoadas por causa da captura ou mesmo das fugas das populações locais, sem
falar das mortes. Desorganizou-se totalmente a economia e foram desfeitos os
laços de amizade, cooperação e convivência familiar entre muitas comunidades.
Sua herança se faz presente nas imensas dificuldades,
instabilidade política, conflitos e pobreza que assolam o continente. E,
sobretudo, na prática abominável e criminosa do racismo.
Fotografias raras de escravos brasileiros feitas 150 anos atrás
Quitandeiras em rua do Rio
de Janeiro, 1875 (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Lavagem do ouro, Minas Gerais, 1880.
(Foto: Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Senhora na liteira (uma
espécie de "cadeira portátil") com dois escravos, Bahia, 1860 (Acervo
Instituto Moreira Salles).
Negra com uma criança
branca nas costas, Bahia, 1870. (Acervo Instituto Moreira Salles).
Foto da Fazenda Quititi,
no Rio de Janeiro, 1865. Observe o impressionante contraste entre a criança branca com seu
brinquedo e os pequenos escravos descalços aos farrapos (Georges Leuzinger/Acervo Instituto
Moreira Salles).
Encerrando a primeira
parte do tema, reproduzimos cenas do
filme “Amistad” tendo como fundo sonoro a declamação do poema “Navio
Negreiro”, de Castro Alves.
Sobre a temática do filme
:
Em 1839 dezenas de africanos
a bordo do navio negreiro espanhol La Amistad matam a maior parte da tripulação
e obrigam os sobreviventes a leva-los de volta à África.
Enganados, desembarcam na costa leste dos Estados Unidos, onde, acusados de assassinatos, são presos, iniciando um longo e polêmico processo, num período onde as divergências internas do país entre o norte abolicionista e o sul escravista, caracterizavam o prenúncio da Guerra de Secessão.
Enganados, desembarcam na costa leste dos Estados Unidos, onde, acusados de assassinatos, são presos, iniciando um longo e polêmico processo, num período onde as divergências internas do país entre o norte abolicionista e o sul escravista, caracterizavam o prenúncio da Guerra de Secessão.
Sobre o poema:
Foi escrito em São Paulo, no
ano de 1869,
quando o poeta tinha vinte e dois anos de idade, e quase vinte anos depois da
promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que
proibiu o tráfico de escravos, em 4 de setembro de 1850.